CAPÍTULO VII
O PÓS-TRANSPLANTE
Carta a DEUS – 2
Bom dia Deus,
Hoje a aurora trazia uma luz diferente, com uma
luminosidade quase celestial, era o teu olhar Deus, tenho a
certeza. Olhei pela janela e os pássaros que voavam celebravam
a tua luz. Continuo a louvar-te, sei que iluminaste as mãos dos
homens e deste a tua mão ao meu pequenino para que se
mantivesse forte. Obrigado Deus por me teres ouvido, estou
contigo no meu coração e a cada hora a Tua presença traz-me
alento.
Obrigado Deus.
Lígia
Na manhã seguinte, mal chegámos à beira do nosso filho
vimos que o milagre continuava a transformá-lo com toda a sua
beleza, com todo o esplendor!
Não haviam dúvidas sobre o desempenho do novo
fígado, o Vitinho aos poucos retomava a cor normal, finalmente
tinha a cor de um bébé. A própria Dra. Isabel ficou surpreendida,
pois o amarelo acastanhado das escleroticas tinha desaparecido
por completo.
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O nosso primeiro dia da nova vida do Vitinho, resumiu-se
a estarmos ao seu lado, a admirarmos a sua muito lenta
recuperação. Ao final da tarde fomos visitados pela Dra. Ana
Maria que nos quis conhecer e deixar uma palavra de coragem.
Passou o primeiro dia e veio o segundo, sempre que se
tirava um tubo qualquer, era uma vitória e depois de tantas
derrotas, todas estas vitórias eram magnificas.
Estivemos três dias na UCI sob o cuidado da equipa do
Pediátrico. A transferência para o Pediátrico foi um momento de
alguma tensão, pois era necessário descer a maca pelo elevador,
percorrer o espaço até à ambulância e depois ir a “passo de
caracol” até ao Hospital Pediátrico. Para os profissionais do
Pediátrico ‘este passeio’ é de má memória por razões que não
quero aqui referir, o problema é que apesar da curta distância, na
avenida existem umas lombas limitadoras de velocidade que são
um verdadeiro pesadelo. Na ambulância, o médico que
acompanha a criança não pode perder de vista nenhum dos tubos
um segundo que seja, porque nenhum deles pode soltar-se e
quando passam pelas tais lombas, há o risco disso poder
acontecer. Tudo pode ser posto em causa por um simples
solavanco! Já depois, no Pediátrico, a maca tem de percorrer o
percurso inverso, isto é, tem de sair da ambulancia e ser levada
até o 2º piso onde se encontra a UCI.
Desde o primeiro dia que o Vitinho ansiava por água,
mas apenas lhe podiamos molhar os lábios. No Pediátrico, a
Lígia disse-me que achava que o nosso filho queria mamar e
encostou-lhe o peito aos lábios, mal ele sentiu o calor do corpo
da Mãe desatou logo a mamar. Só o deixámos um bocadinho e
perguntámos à Dra. Isabel se o podiamos fazer, ao principio ela
ficou admirada mas logo reagiu e disse-nos “se ele queria mamar
então que mamasse”!
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A Esperança – por Inês
Nesta fase conhecemos a Dra. Carla recém chegada de
férias. A Dra. Carla e a Dra. Isabel faziam uma excelente equipa
e no período que estivemos nos cuidados intensivos lidámos
mais com a Dra. Carla. Curiosamente esta passagam deixou-nos
poucas recordações, porque, felizmente, foi muito rápida. Já não
me recordo bem, mas penso que o Vitinho passou para a
Enfermaria no final do 2º dia, mas esse “pormenor”, agora, já
não é importante, o que interessa relatar é que a recuperação foi
rápida. Já viamos o nosso filho sorrir, já lhe pegavamos ao colo
e ele já interagia connosco. Ao 6º dia após transplante a Dra.
Isabel mandou-nos… passear!
Lá fomos nós, para os jardins do Pediátrico, admirar a luz
do sol e simplesmente sentir o vento, ouvir os pássaros, e
respirar. Como as coisas simples são as mais belas! Estávamos
reduzidos a um pequeno jardim, mas tudo era fantástico,
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especialmente a calma que nos rodeava, mostravamos ao nosso
filho as pequeninas coisas, tudo o que nos suscitava interesse,
tudo mesmo!
Começava a tornar-se possível o sonho que fui sonhando,
de que um dia lhe iria mostrar um golfinho, um cinema, uma ida
aos insufláveis, o algodão doce, a feira medieval e que iria
admirá-lo a correr, a fazer as suas asneiras, a curar o doi-doi, a
amaldiçoar os peixes que não se deixam agarrar e a espreitar pela
janela do avião!
Tudo o que faziamos naquele jardim tinha o mesmo
significado, éramos livres e podiamos olhar para o céu e tentar
perceber se estávamos a ser vigiados! Talvez pelo meu Tio
Daniel que nos tinha deixado há tão pouco tempo, talvez nos
tivesse visto e estivesse a cantar-nos uma das suas belas músicas,
“brise, brise douce, …” quem sabe! Se existe um céu, ele estará
lá de certeza e a sua voz confunde-se agora com a do vento, deve
estar olhar por nós, a sorrir-nos por entre aquela barba simpática
e a saudar-nos com o seu habitual “salut les petits amis”… talvez
esteja zangado com Deus, pois cá na terra o Daniel não Lhe dava
grande crédito, mas lá, quem sabe, talvez até Lhe tenha dado
uma reprimenda, por o ter levado antes do tempo certo, como já
o tinha feito com o meu irmão! Ou… talvez não, até porque a sua
imagem lembra a que se vislumbra do Santo Sudário! Deus não
se iria zangar com alguém que se parece com o seu filho e tinha
um coração de ouro!
O passeio pelos jardins foi o nosso primeiro passo para o
regresso à liberdade. Um ou dois dias depois fomos ao Centro de
Histocompatibilidade para nos inscrevermos enquanto dadores
de medula óssea. Na enfermaria do Pediátrico, quem lá
“estaciona” umas semanas como nós, convive com algumas das
doenças mais terríveis! Uma das Mães com que a Lígia
estabeleceu alguma empatia, foi uma Mãe de um menino com
leucemia e o pouco que ambos poderiamos fazer era
registarmo-nos enquanto dadores.
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Ao longo do tempo que durou o internamento, trouxe as
miúdas várias vezes para estarem connosco, era importante para
elas e era importante para a mãe. O mundo da Lígia continuava
cheio de limitações e condicionado pelo que o momento
impunha, ultrapassar a noite era o pior, a inevitabilidade de
dormir num cadeirão, o ambiente hospitalar, os cheiros, os sons,
tudo era deprimente! Mal davam as oito da manhã ela
telefonava-me, quer eu estivesse em Ovar, quer no hotel em
frente, dava-me as primeiras ‘sensações’ do dia e logo tudo
começava a fluir mais rápidamente, a disposição, a esperança,
enfim, tudo era muito mais fácil à luz do dia e então, ao lado “dos
nossos”, ainda mais coragem arranjavamos. Sempre que as
miudas vinham, também para elas as coisas tornavam-se mais
fáceis, primeiro porque viam o irmão e a mãe, depois porque a
vida no hotel era simpática e elas adoravam o restaurante, aquele
com nome “de quem enveredou pela magistratura”.
Apesar de tudo isto, estávamos ávidos de estar os cinco
juntos. Na segunda feira dia 02 de Agosto pedimos à Dra Isabel
se nos deixava jantar todos juntos no quarto de hotel.
Ela permitiu e assim tivemos um Jantar memorável!
Enfim, todos finalmente juntos, em família e num ambiente
acolhedor, agradável, nada parecido com o que tinhamos tido
até ali.
Foi tudo ‘quase’ perfeito! Quase porque apanhei uma
intoxicação alimentar que me deixou de rastos. Das duas uma, o
agente causador ou foi uma mousse que comi nesse jantar e que
mais ninguém comeu, ou foi uma qualquer ‘porcaria’ que comi
noutro sítio!
Mal imaginava eu o que me esperava daí a umas 6 a 7
horas...
Levei as miudas para Ovar e regressei a Coimbra, ao
levantar-me começaram as náuseas, a diarreia, vómitos, enfim já
não saí do hotel! Nesse dia a Lígia não pôde contar comigo e
como não sabiamos exactamente o que é que eu tinha, não
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poderia sequer aproximar-me do Vitinho! Estando ele com o
sistema imunitário constrangido, ninguém doente poderia sequer
aproximar-se, eu incluido, logo… entrei de quarentena!!
E foi assim, desta forma inglória que acabou a minha
contribuição! A partir dali a Lígia teve de fazer tudo sózinha.
No dia 3 a Dra. Isabel avisou-nos que iriamos ter alta no
dia seguinte. Nem acreditavamos que iamos para casa, que iamos
ficar todos juntos “a sério”, que iamos dormir tranquilamente,
utilizar os nossos quartos de banho, respirar o ar do quintal,
poder fazer uns churrascos e se o tempo ajudasse, até dar um
mergulho na piscina!
Eu já tinha ouvido falar destas “altas” milagrosas dos
meninos de Bruxelas, que iam para casa ao 8º dia, mas pensei
que fossem daquelas coisas que “só acontecem aos outros”,
aplicando aqui o dito popular num sentido positivo!
A nossa alta foi ao 9º dia e antes do transplante eu e a
Lígia tinhamos pensado que se conseguissemos passar o Natal
em casa, já seria muito bom! Ao recebermos a notícia da alta ao
9º dia sentimo-nos realmente iluminados e quase eufóricos.
Só que eu estava “feito num oito”, já tinha sido visto por
um médico e estava medicado, mas caramba, a coisa tinha-me
batido forte! No dia seguinte teriamos de arranjar uma solução
para podermos ir embora!
Assim foi, no dia da partida eu estava muito melhor, mas
não arriscámos e chamámos um taxi de Ovar. A Mãe da Lígia
entretanto também tinha chegado, o Taxi levou-me a mim, e a
Lígia levou o nosso carro.
O Vitinho ia visivelmente satisfeito a admirar a paisagem
e assim regressou finalmente a casa.
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tanta emoção e um turbilhão de coisas a acontecer, tinha de ser com a ajuda de toda a harmonia celeste.
ResponderEliminarSim, é verdade! Leia o "post" "o quarto pastorinho"....
ResponderEliminarAlgo superior aconteceu e ainda acompanha o N/ filho!
Queridos Amigos,
ResponderEliminarDesta vez sou eu a escrever uma carta aberta ao Ministro da Saúde ... Foi retirada a insençao à fibrose quitica!
Aqui fica a carta que gostaria de partilhar convosco:
http://transplantes-pulmonares.blogspot.pt/2012/06/carta-aberta-ao-ministro-da-saude-de.html
Um abraço,
Sandra Campos
Sandra,
ResponderEliminarForça!
Temos de arranjar uma "plataforma" que una as N/ lutas.....
Bjs