CAPÍTULO II
O DIAGNÓSTICO
O pesadelo iniciou-se, as picadelas das agulhas
começaram sem tréguas e a tortura instalou-se majestosamente.
Nem todos nos hospitais têm a sensibilidade suficiente
para lidar com crianças, especialmente bebés de meses e que
necessariamente têm veias muito finas e de difícil tacto! Algumas
das enfermeiras que picavam o Vitinho (para as colheitas de
sangue permanentes), quase que preferiam picarem-se a elas
próprias, a causar esse sofrimento, mas outras não, era mais
picadela menos picadela!
No Hospital São Sebastião os exames sucederam-se, mas
ninguém chegava a nenhuma conclusão! Cada médico que via o
nosso filho, via ali um caso raro e uma oportunidade de estudar
um caso clínico diferente. Especialmente por isto, os exames
repetiam-se e cada um queria por si próprio ter a certeza que as
análises eram assim ou eram assado!
Entretanto a Sissi foi tendo acesso aos dados, percebeu
que nos tinha de colocar “nas mãos” de uma determinada
hepatologista pediátrica e foi por essa ‘enorme’ razão que
conhecemos a Dra. Ermelinda do Hospital Maria Pia, no Porto.
Como já referi, o tempo estava a contar e ao tomar esta
decisão, a Sissi sem ter ainda essa consciência, tinha acabado de
salvar a vida do nosso filho…
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Só que, azar dos azares, a Dra. Ermelinda estava de saída
para um congresso em Paris, mas disse-nos logo que o Vitinho
tinha de ser internado, mas não num sítio qualquer, teria de ser e
parafraseando-a, com a “sua Mestra” a Dra. Margarida Medina
do Hospital Santo António!
Chegados ao Santo António, começaram novamente os
exames e tudo aquilo que levávamos da Feira ficou prejudicado!
Também lá deparámos com os dois lados da nossa medicina, o
lado brilhante e o lado medíocre, por exemplo, uma médica
poucos minutos depois de dar um clister ao Vitinho, tentou
meter-lhe um supositório de paracetamol, isto perante o nosso
olhar incrédulo!
Felizmente, foi também no Santo António, que
começámos a conhecer outra vertente da medicina portuguesa, o
lado dedicado, competente e inerente a quem faz algo por missão!
A Dra. Margarida Medina foi um anjo que nos apareceu!
Houve imediatamente uma empatia mútua, ela compreendeu-nos
colocou-se do nosso lado e viveu o nosso drama, como se nos
conhecesse há séculos.
Só que o estado do Vitinho nunca melhorou, o sangue não
coagulava, a icterícia era cada vez mais alarmante e foi nessa
altura que começámos a ouvir falar de transplantação hepática!
O estado de saúde do nosso filho era este, dava-se um passo em
frente e logo imediatamente, três atrás!
Sempre que era necessário efectuar colheitas, o que
acontecia todos os dias, gelava-nos o coração ao vermos o seu
sofrimento. Era picada atrás de picada, muitas vezes com a
agulha espetada “esburacavam” à procura da veia, era espetar,
tirar, voltar a espetar e o sangue, nada! Desistiam, estudavam o
pescoço, voltavam a espetar no braço, enfim, um desespero!
Muitas vezes tínhamos de colaborar na tortura… como
ele ainda mamava, deixávamo-lo agarrar-se à mama da Mãe e
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assim conseguia-se “trabalhá-lo” de forma mais eficaz. Este
método acabou por ser utilizado, com grande frequência, nas
ecografias, enfim, numa série de situações que obrigavam o
Vitinho a estar quieto. Alguns dos técnicos de saúde, por vezes,
olhavam-nos com desdém, mas depressa percebiam que o
método funcionava e acabavam por “entrar no jogo”.
A maior parte desses técnicos parecia não ter bem noção
do que estávamos a passar! Vendo ‘a coisa’ a esta distância,
ocorre-me que, não seria descabido colocar também na ficha
clínica uma cronologia dos factos, incidentes e tentativas! Devia
aparecer, “tirou sangue para análises às tantas horas”, só à “nona
picadela acertaram na veia”, depois “fizeram uma ecografia, mas
estiveram uma hora num corredor à espera do médico, depois
veio o médico e trocaram a ficha e esqueceram-se do paciente e
ainda depois, mediante a insistência dos pais é que perceberam o
que tinha acontecido, ao fim de três horas regressaram da
ecografia e almoçaram”. “Veio um pico de febre e foi necessário
picar novamente o pequenito, desta vez não correu muito mal, à
sexta tentativa lá conseguiram tirar o sangue”, etc, etc.
Se os técnicos de saúde percebessem a cronologia de
alguns destes dias, talvez tivessem outra atitude perante
situações idênticas! Talvez respeitassem mais a Mãe que não se
coibiu de colocar o seu peito ‘de fora’ para assim aconchegar o
seu filho que necessitava desesperadamente da sua protecção
quando alguém o martirizava do outro lado. Esta crítica não é
merecida por muitos dos profissionais de saúde que lidaram
connosco, mas faço-a, porque esses, os que não a merecem,
provam-no no ‘dia a dia’ quem são e como são, e esses de certeza
que não se sentirão atingidos! Nós não éramos um caso especial,
éramos apenas mais um caso que merecia toda a atenção e esse
é o comportamento normal, o correcto perante a vida.
Enfim, conforme o pesadelo se ia apoderando das nossas
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vidas, conforme os testes e exames iam mostrando as suas
verdades, fomos sabendo quem era o nosso inimigo mortal, um
somatório de problemas, mais precisamente, Citomegalovírus
(1), Défice de Alfa1 Antitripsina (2) e absoluta intolerância às
proteínas, ou seja, uma Doença do Ciclo da Ureia (3)!
A icterícia ia “ganhando cada vez mais terreno” e a
coagulação do sangue era nula.
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