sexta-feira, 26 de julho de 2013

O sonho que continuamos a viver


Perto da 18:30 avisaram-nos que o Vitinho estava prestes

a subir e começámos a ver uma maior movimentação, os minutos

pareciam horas e o nosso filho nunca mais aparecia até que se

abriu a porta do elevador e lá estava ele, o nosso herói! A

fotografia não era propriamente entusiasmante, à excepção dos

semblantes alegres dos que o acompanham e do próprio Dr.

Emanuel que nos fez um rasgado sorriso e nos olhou bem nos
 

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olhos, com confiança e como se deve fazer, frontalmente, até

nos chegar à alma! Não precisou de falar, porque os olhos

disseram-nos tudo, o Vitinho coitadinho, tinha tubos enfiados

por todos os lados, nas narinas, na boca, em ambos os lados do

abdómen, nos braços, enfim, era um bébé pequenino no meio de

uma gigantesca parafernália de maquinetas, tubos, fios, alarmes,

etc, etc, etc.

Apetecia pegar-lhe e acarinhá-lo, mas ele estava sedado e

todo aquele aparato de equipamentos inviabilizava-o.

Permitiram-nos acompanhar o nosso filho até à U.C.I. e lá

pudemos assistir ao cuidado e ao carinho de todos os que o iam

tratando. Todos queriam retocar um tubo, verificar aquela

medida, conferir as gotas do soro, olhar bem para o oxímetro, ver

o batimento cardíaco, etc. Todos os que se debruçavam sobre o

nosso filho, olhavam-no com admiração e se nós os pais lá não

estivessemos, talvez se atrevessem mesmo a beijá-lo, porque o

calor que emanavam dos corações era por demais evidente.

O Vitinho sentiu isso, sentiu a força que todos nós lhe

demos e agarrou-se à vida e lutou por ela até ao auge das suas

forças.

Nos filmes animados de contos de fadas, assistimos

normalmente à transformação dos personagens com cores belas,

suaves, efeitos de luzes, o brilho do pó das estrelas e uma

qualquer varinha de condão que nos vai mostrando a magia do

sonho que nos encanta a imaginação.

Era esse o sonho que estávamos a viver, o nosso filho

estava calmamente a descer das estrelas e a regressar para o

nosso seio abençoado por uma fada celestial, muito bonita e

sorridente e que nos entregava a sua mão, com o respeito no

olhar, num olhar que nos dizia que o tínhamos merecido!

O Dia do Transplante 26/07/2004


CAPÍTULO VI

O DIA DO TRANSPLANTE

 
Carta a DEUS – 1

 
Bom dia Deus,

Sei o quanto andas ocupado com a turbulência dos

homens, mas por favor escuta, olha para este ser pequenino que

criaste à tua imagem, vê como sofre e opera o teu milagre. Sei

que te peço muito DEUS, mas sabes o quanto ele é importante

para nós e o que tem ainda para nos ensinar.

Ilumina as mãos dos homens e traz-lhe a saúde que tanto

precisa.

Obrigado Deus por me escutares, estou mais atenta e agora

sei o quanto andava distraída das coisas importantes da vida.

Obrigado Deus

Lígia,

Hospital Pediátrico

 
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No dia 23 ou 24 de Julho de 2004, não sei precisar, ficou decidido que o “transplante com dador vivo” seria feito na semana seguinte, em dia ainda a confirmar. No Domingo, dia 25/07/2004, ao principio da noite, estávamos numa amena cavaqueira com uma enfermeira, isto já com o Vitinho e a Lígia no inicio dos preparativos, quando outra enfermeira entrou, olhou-nos timidamente e chamou a colega. Ambas comunicaram-nos ‘cautelosamente’ para estarmos preparados, porque “parecia” que havia um dador compatível!,Nesse momento, algo aconteceu que mexeu com as nossas emoções, ficámos em meditação e a Dra. Isabel veio conversar connosco! Eu fiquei mudo, sem reacção, e a Lígia ficou muito emocionada porque, agora que as coisas já estavam programadas, ela queria continuar a ser a dadora, mas obviamente que tal já não seria possível! Primeiro porque, só se é dadora uma vez na vida e assim ela ficaria disponivel para outra altura se tal se viesse a mostrar necessário, depois porque qualquer cirurgia envolveria riscos e o facto de termos mais duas filhas inibia-nos sequer de questionar a decisão. Aliás dadas as características do dador, que por respeito da sua memória não as descrevo, seria absurdo não aceitar esse fígado, e mesmo que o fizessemos, garantidamente que ninguém nos ouviria! Para além de tudo isto, também eu me opunha, dadas as circunstancias, obviamente, seria uma idiotice colocar a vida da Lígia em perigo! Mas a reacção da Lígia era natural e compreensível! Ela sentia-se um pouco responsável pela insuficiência do Vitinho e por isso, se a medicina permitia corrigir “o erro”, então parecia-lhe imperioso que fosse ela a fazê-lo!

O dia que estávamos quase a iniciar seria sem sombra de dúvidas o dia mais longo das nossas vidas. As horas passavam muito lentamente e nesse dia o Hospital Pediátrico estava estranhamente calmo! Entretanto juntou-se novamente a nós a Ana Paula que fez questão de nos acompanhar nessa fase mais crítica. Cerca das 2:00 chamaram a ambulância que iria levar a


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Lígia e o Vitinho do Pediátrico até aos H.U.C. Acompanhei-os de carro, mais a Ana Paula e na ambulância, acompanhou-os a Enfermeira Helena que dificilmente conseguia suster as lágrimas. Nos H.U.C. a tensão era evidente e fomos conduzidos ao “bloco”. A contrastar esse sentimento, uma cara simpática e sorridente recebeu-nos e perguntou-nos se um de nós queria acompanhar o Vitinho lá dentro. A Lígia entrou e ao vê-los entrar, senti o meu coração apertar, apertar, apertar… quase parecia que estávamos a pairar sobre um precipicio que nos sugava para o infinito. Fiquei eu e a Ana Paula naquele sítio frio, desagradável e esperámos o regresso da Lígia. Um bom pedaço depois ouvimos umas portas a bater, um estrondo, um som metálico e de repente apareceu-nos uma maca com um corpo todo coberto por um lençol. Gelámos, eu e a Ana Paula, aquele corpo era o corpo do dador. Fiquei sem palavras e olhei com respeito para o vulto desse alguém! O vazio da morte na esperança da vida, lágrimas que correm com fundamentos opostos, nas nossas faces e nas dos seus entes-queridos!

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Dia 24/07/2004 - Há nove anos!!

Capítulo V
 
À ESPERA DE UM FÍGADO
 
O fígado, esse tardava! O nosso filho estava em S.O.S., a
sua degradação era galopante e começámos a ter consciência do
que era “um estado terminal”. A Dra. Isabel mandou-nos fazer
um electroencefalograma, os resultados eram bons, mandou
fazer outra ecografia ao coração porque a última tinha detectado
qualquer coisa que depois não se chegou a confirmar! Era exame
aqui, exame acolá, a rotina era penosa e desgastante, quase
parecia que estávamos no interior de uma esfera de céu azul que
ia sendo consumida pelo escuro tenebroso da penumbra que a
envolvia, asfixiando-nos muito lentamente.
Quando, noite dentro, regressava a casa, dava por mim a
não querer ouvir as notícias, pois quase tinha medo que um
subconsciente diabólico desejasse que alguma desgraça
acontecesse, não queria saber se tinha ocorrido algum acidente,
não queria procurar eventuais dadores entre as vítimas fosse do
que fosse, era uma luta permanente entre sentimentos e
paradoxos e eu …“fugia” de tudo!
Durante o sono também era assaltado por sentimentos
contraditórios, mistos de confusões, fantasmas e por vezes
acordava desorientado.
 
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A NOITE
A noite chega
Não pára na porta
Entra
Entra e senta-se à mesa
Deita no chão o casaco
Sobre a mesa, pousa os braços
E aguarda
Aguarda pelos esfomeados
Pelos perdidos
Pelos temerosos
E deixa correr as horas…
As horas da noite são longas
Os ponteiros derretem nos segundos
Os minutos são longos
A noite instala-se na sala,
No quarto, no mais
Recôndito ponto da mente
Escurece a esperança
Endurece a raiva
Enfraquece a coragem
Mina os projectos
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De noite, a noite reina
Domina, dança e brinca
Brinca com as fragilidades
Goza com os medos
E amordaça a aurora
Um raio de luz estala o cenário
A noite levanta-se
Apanha o casaco, recolhe as horas
A Aurora geme, faz saltar a mordaça
A noite afasta-se
Suspira
Até mais logo
 
Lígia
Hospital Pediátrico de Coimbra
 
 

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Chegada de São Paulo - Brasil

A Lígia já chegou de São Paulo e ... não correu lá muito bem! Enfim azares com o tempo, azares com a TAP, etc, etc...

Fica aqui uma foto da Av. Paulista!