domingo, 13 de maio de 2012

CAPÍTULO III

UM PASSO SEM RECUO

Entretanto também começámos a indagar na internet à

procura de soluções e aí deparamos com um mundo tenebroso de

coisas terríveis. Mas tínhamos uma guerra pela frente e não nos

podíamos deixar vencer pelo medo e por todos os fantasmas que

nos perseguiam.

As enfermeiras e auxiliares frequentemente ficavam

espantados com o nosso envolvimento e com a nossa

persistência, pois percebiam que estávamos no meio dessa

guerra pela vida. Muitas vezes ao perceberem que tínhamos mais

duas filhas, diziam aliviados, “ah, têm mais filhos…” como se

essa constatação minorasse o sofrimento perante o desastre que

parecia eminente!

Com efeito sempre estivemos presentes, a Lígia

permanentemente, mas eu ia a casa amiúde para tentar equilibrar

as coisas com as nossas filhas. No entanto o nosso apoio escolar

deixou de existir, mas elas portaram-se como umas heroínas e os

meus pais ajudavam-nos dentro das suas limitações.

Nessa fase andava tão ocupado em desempenhar o meu

papel num e noutro lado, que talvez isso funcionasse como um

forte analgésico. Estava todos os dias no Stº António com a Lígia

e com o Vitinho, ao final da tarde e muitas vezes já noite dentro,

é que rumava a casa. Lá conversava um pouco com os meus pais,

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com a Inês, com a Patrícia e ia dormir para acordar cedo no dia

seguinte e recomeçar tudo de novo! Todos os dias fazia o mesmo

ritual, isto é, estacionava o carro no parque de estacionamento

subterrâneo perto do Hospital e ia até junto da Lígia a repetir vezes

sem conta entre dentes, “ele vai salvar-se”, “ele vai salvar-se”,

“ele vai sobreviver”, “ele vai vencer”, dizia-o milhentas vezes,

quase como se rezasse desesperadamente, mas motivando-me

para a luta.

Chegado ao hospital, uns dias encontrava uma Lígia

forte, outros mais frágil, enfim, se já nos amávamos muito, aí

percebemos também que juntos fazíamos uma equipa que

poderia vencer o universo! Sei que estas “provas” agastam e

separam alguns dos pais e nós vimo-lo com os nossos olhos, mas

no nosso caso particular, criou-se um novo elo que não se

quebrava, uma força que não conhecíamos!

A Dra. Margarida Medina percebeu-o e incluiu-nos na

sua equipa. Por outro lado, entrámos em contacto com a Abiba,

uma amiga patologista em Paris e através dela chegámos ao Prof.

Olivier.

Pedimos à Dra. Margarida Medina que nos fizesse um

relatório de tudo, nós mesmos o traduzimos e enviámos ao

cuidado do Professor. Paralelamente a Dra. Margarida Medina

encetou contactos com Bruxelas, pois era com esse centro de

TRH (4) que o Hospital Santo António lidava habitualmente.

Faço aqui um parêntesis para explicar o seguinte, ainda

antes do internamento no Santo António, consultámos um

médico pediatra cujo consultório ficava perto da Boavista, no

Porto, e que se tinha especializado em Paris. Foi aqui que

começámos a perceber que as doenças hepáticas tinham vários

palcos, sendo que no estrangeiro (aparentemente) estavam os

mais desejados, embora nessa altura ainda não estivéssemos bem

conscientes que a solução poderia passar pelo TRH.

Mas… maldita a hora em que consultámos esse médico!

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Fomos lá gastar dinheiro e “perder tempo”! O que ele nos

transmitiu, sem o dizer expressamente, é que o caso do nosso

filho era um caso muito difícil, talvez até já perdido! Isto para

além de uma meia-dúzia de barbaridades que pudemos

comprovar mais tarde serem mentira! Por exemplo, que em

Portugal não havia ninguém nem nenhum hospital à altura de

ajudar o nosso filho e que seria impensável efectuar-se uma

simples biopsia hepática pois não poderíamos confiar nem na

habilidade técnica do executor, nem na fiabilidade dos

resultados, etc, etc, etc! Para ele, a haver uma solução, a mesma

estaria exclusivamente em Paris, portanto, ou íamos

imediatamente para lá, ou ‘a coisa’ estaria perdida!

Mais um médico que não teve sentido de humanidade,

bom senso, nem saber, para lidar com um casal desesperado e

que tentava a todo o custo salvar a vida do seu filho.

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O Caça Sonhos – por Inês

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