CAPÍTULO III
UM PASSO SEM RECUO
Entretanto também começámos a indagar na internet à
procura de soluções e aí deparamos com um mundo tenebroso de
coisas terríveis. Mas tínhamos uma guerra pela frente e não nos
podíamos deixar vencer pelo medo e por todos os fantasmas que
nos perseguiam.
As enfermeiras e auxiliares frequentemente ficavam
espantados com o nosso envolvimento e com a nossa
persistência, pois percebiam que estávamos no meio dessa
guerra pela vida. Muitas vezes ao perceberem que tínhamos mais
duas filhas, diziam aliviados, “ah, têm mais filhos…” como se
essa constatação minorasse o sofrimento perante o desastre que
parecia eminente!
Com efeito sempre estivemos presentes, a Lígia
permanentemente, mas eu ia a casa amiúde para tentar equilibrar
as coisas com as nossas filhas. No entanto o nosso apoio escolar
deixou de existir, mas elas portaram-se como umas heroínas e os
meus pais ajudavam-nos dentro das suas limitações.
Nessa fase andava tão ocupado em desempenhar o meu
papel num e noutro lado, que talvez isso funcionasse como um
forte analgésico. Estava todos os dias no Stº António com a Lígia
e com o Vitinho, ao final da tarde e muitas vezes já noite dentro,
é que rumava a casa. Lá conversava um pouco com os meus pais,
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com a Inês, com a Patrícia e ia dormir para acordar cedo no dia
seguinte e recomeçar tudo de novo! Todos os dias fazia o mesmo
ritual, isto é, estacionava o carro no parque de estacionamento
subterrâneo perto do Hospital e ia até junto da Lígia a repetir vezes
sem conta entre dentes, “ele vai salvar-se”, “ele vai salvar-se”,
“ele vai sobreviver”, “ele vai vencer”, dizia-o milhentas vezes,
quase como se rezasse desesperadamente, mas motivando-me
para a luta.
Chegado ao hospital, uns dias encontrava uma Lígia
forte, outros mais frágil, enfim, se já nos amávamos muito, aí
percebemos também que juntos fazíamos uma equipa que
poderia vencer o universo! Sei que estas “provas” agastam e
separam alguns dos pais e nós vimo-lo com os nossos olhos, mas
no nosso caso particular, criou-se um novo elo que não se
quebrava, uma força que não conhecíamos!
A Dra. Margarida Medina percebeu-o e incluiu-nos na
sua equipa. Por outro lado, entrámos em contacto com a Abiba,
uma amiga patologista em Paris e através dela chegámos ao Prof.
Olivier.
Pedimos à Dra. Margarida Medina que nos fizesse um
relatório de tudo, nós mesmos o traduzimos e enviámos ao
cuidado do Professor. Paralelamente a Dra. Margarida Medina
encetou contactos com Bruxelas, pois era com esse centro de
TRH (4) que o Hospital Santo António lidava habitualmente.
Faço aqui um parêntesis para explicar o seguinte, ainda
antes do internamento no Santo António, consultámos um
médico pediatra cujo consultório ficava perto da Boavista, no
Porto, e que se tinha especializado em Paris. Foi aqui que
começámos a perceber que as doenças hepáticas tinham vários
palcos, sendo que no estrangeiro (aparentemente) estavam os
mais desejados, embora nessa altura ainda não estivéssemos bem
conscientes que a solução poderia passar pelo TRH.
Mas… maldita a hora em que consultámos esse médico!
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Fomos lá gastar dinheiro e “perder tempo”! O que ele nos
transmitiu, sem o dizer expressamente, é que o caso do nosso
filho era um caso muito difícil, talvez até já perdido! Isto para
além de uma meia-dúzia de barbaridades que pudemos
comprovar mais tarde serem mentira! Por exemplo, que em
Portugal não havia ninguém nem nenhum hospital à altura de
ajudar o nosso filho e que seria impensável efectuar-se uma
simples biopsia hepática pois não poderíamos confiar nem na
habilidade técnica do executor, nem na fiabilidade dos
resultados, etc, etc, etc! Para ele, a haver uma solução, a mesma
estaria exclusivamente em Paris, portanto, ou íamos
imediatamente para lá, ou ‘a coisa’ estaria perdida!
Mais um médico que não teve sentido de humanidade,
bom senso, nem saber, para lidar com um casal desesperado e
que tentava a todo o custo salvar a vida do seu filho.
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O Caça Sonhos – por Inês
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