Só o Centro Hospitalar de Coimbra optou por adoptar o genérico
Troca de medicamento por genérico põe em risco crianças com transplantes hepáticos
Por Graça Barbosa Ribeiro
O ex-coordenador do Programa Pediátrico de Transplantação Hepática considera a mudança "perigosa". Responsáveis do CHC não comentam. Corte nos custos estará na origem da troca
• Ordem dos Médicos investiga queixa de má prática clínica
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O ex-coordenador do Programa Pediátrico de Transplantação Hepática Emanuel Furtado considerou ontem "perigosa" e "de alto risco" a substituição do imunossupressor de marca (usado desde sempre em Portugal) por um medicamento genérico, na farmácia do Centro Hospitalar de Coimbra (CHC). A decisão terá sido tomada sem o conhecimento dos clínicos que acompanham os doentes, primeiro, e contra o parecer daqueles, numa segunda fase.
Em causa, de acordo com o cirurgião Emanuel Furtado, está, em última análise, a possibilidade de rejeição mais frequente e mais grave do órgão por parte dos doentes. "Estamos a falar de medicamentos em que a margem terapêutica - entre a dose eficaz e a dose tóxica - é muito estreita, o que faz com que o controlo do equilíbrio do doente seja muito complicado e exigente", descreve. Para que aquele equilíbrio se desfaça, explica, é preciso muito pouco. "Basta que o modo de preparação ou os excipientes sejam diferentes", exemplifica.
É aquela condicionante que explica que seja desaconselhável a simples troca de medicamentos semelhantes do mesmo laboratório, mas com diferentes formulações; e que torna "especialmente perigosa a sua substituição por um genérico que, para além do mais, nunca foi, sequer, testado em crianças", avisa o médico. A situação é agravada, na sua perspectiva, pelo facto de os doentes que recebem o medicamento não estarem a ser sujeitos à monitorização apertada que a mudança exigiria.
Emanuel Furtado, responsável pelos mais de 200 transplantes pediátricos feitos em Portugal, abandonou os Hospitais da Universidade de Coimbra há cerca de mês e meio, em ruptura com a administração. Isto por, alegadamente, não estarem garantidas as condições necessárias à prossecução, com segurança e sucesso, do programa de transplantes pediátricos, no âmbito de um acordo entre os HUC e o Hospital Pediátrico (que pertence ao CHC). Desde então, apenas assegura as intervenções de emergência.
Ontem, em declarações ao PÚBLICO, o cirurgião - que ao pedir a exoneração do cargo deixou de coordenar o programa pediátrico de transplantação hepática - justificou a sua intervenção neste caso afirmando que, como médico, está ciente de que a sua "função é defender o melhor para os doentes e não equilibrar orçamentos". Sublinhou, no entanto, que "não é, sequer, evidente, que da troca pelo genérico resulte uma redução de custos, por terem de ser contabilizados os gastos com testes laboratoriais de controlo, a perda de produtividade dos pais devido às deslocações mais frequentes aos hospitais e, em última análise, o aumento da frequência e da gravidade da rejeição do órgão".
Margarida Castelão, dirigente da Associação Nacional das Crianças e Jovens Transplantados ou com Doenças Hepáticas (Hepaturix), não tem dúvidas de que esse foi o critério para a substituição do medicamento. "Perante mim e outra pessoa da direcção, o director clínico do CHC, Carlos Mendonça, assumiu que a troca resulta da necessidade de poupar 15 por cento, este ano, do montante gasto na aquisição de medicamentos", relatou.
Através do gabinete de imprensa, os administradores do Centro Hospitalar de Coimbra escusaram-se a fazer qualquer comentário sobre o assunto, por considerarem que "o momento não é oportuno". Também não revelaram quantas crianças receberam, já o genérico, e quantas poderão vir a recebê-lo nos próximos dias. Apesar de todas as crianças terem feito a intervenção cirúrgica em Coimbra, cada uma delas levanta os medicamentos nos hospitais da sua área de residência. De entre todos esses, assegura Margarida Castelão, só o CHC optou por passar a fornecer o genérico.
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