NOVO INTERNAMENTO
Com o chegar do final do ano de 2004 aproximava-se
outra data que nos atemorizava. É que durante o transplante, foi
necessário ‘aconchegar’ o enxerto com uma prótese de silicone.
Ora bem, essa prótese tinha de ser retirada aos seis meses e essa
data aproximava-se a passos largos…
ilustração por Inês
Passou-se o Natal, mais um Natal fantástico pois
estivemos todos juntos e veio o ano de 2005. Esta coisa do Natal,
faz-nos mexer com várias emoções. Não é só a quadra em si que
nos toca, as recordações de família e dos que já cá não estão, é
que há um episódio muito especial que marcou a nossa forma de
viver esta festa . Tínha a Inês uns seis anitos e estávamos no
incio das férias do Natal, quando a bronquite do costume
começou a fazer ‘das suas’. A coisa veio, instalou-se em ‘banho-
-maria’ e ficou por ali “a reinar” até que, no dia 24 de Dezembro
apareceu a febre. Como a Sissi ia visitar-nos para a habitual troca
de presentes, esperámos por ela, mas começámos a ficar
preocupados, pois percebia-se que a Inês não estava bem. Estava
muito bem disposta com a expectativa das prendas que se
avizinhavam, mas a cor dela e a febre, preocupavam-nos!
Chegou a Sissi e… Natal estragado! Tivemos de ir a
correr para o Hospital da Feira com suspeita de pneumonia.
Seguiu-se à suspeita a confirmação de pneumonia bilateral e …
sangue. Foram vários os sustos, uma ‘carrada’ de exames,
incluindo uma broncoscopia com anestesia geral (para excluir
uma suspeita de aneurisma que as radiografias nos queriam
impingir), enfim ficou-nos a infeliz recordação de um Natal
triste, muito triste, com a Lígia à cabeceira da cama do hospital
e eu, sózinho com a Patrícia, pequenita e maravilhada num
mundo de presentes por abrir!
Como depressa se percebeu, isto de ter uma prima
pediatra tem as suas vantagens! Teremos uma dívida eterna de
gratidão com a Dra. Cecília.
A Dra. Cecília, foi a primeira responsável pelo
salvamento das vidas dos nossos filhos, porque agiu, porque nos
enviou para onde deviamos ir e porque em alturas muito díspares
percebeu como o deveria fazer. Obrigado Sissi!
Ora bem, regressemos aos nossos medos quanto ao tal
internamento que se avizinhava! Já não sei se foi no dia
09/02/2005 ou no dia imediatamente a seguir, mas lá fomos nós
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para o Hospital Pediátrico, pesarosos, apreensivos e sem vontade
nenhuma de passar por mais aquele tormento. Que me perdoem
a Dra. Isabel e o Dr. Emanuel por me referir assim ao
“internamento”, mas nada tem a ver com o desempenho deles,
das equipas, nada! O que é verdade, é que estávamos demasiado
ansiosos, demasiado preocupados e … tínhamos um mau
pressentimento! Mas caramba, era só tirar uma prótese, uma
cirurgia simples, porquê tanto medo, logo nós que já tinhamos
passado por um transplante?!
Efectivamente as coisas não foram tão fáceis como
esperávamos.
Perante os preparativos, revivemos um pouco tudo o que
já tínhamos passado! No entanto, apesar do ambiente ser muito
diferente pois era de tarde, estávamos junto ao “bloco” do
Pediátrico e nesse dia estar um dia lindo de sol, a tensão essa,
marcou a sua presença, especialmente porque um nervoso
miudinho não nos largava.
O Dr. Emanuel, talvez para nos acalmar, tinha dito que a
cirurgia demoraria menos de meia-hora, só que passou a primeira
meia-hora, depois a segunda, a terceira, etc, e quando já
estavamos quase a entrar na terceira hora sem notícias, apareceu
o Dr. Emanuel, aparentemente calmo e disse-nos que estava tudo
bem e explicou-nos que tinha demorado um pouco mais porque
o fígado do Vitinho já se tinha desenvolvido bastante e estava a
envolver a prótese e por isso estava “muito agarrado”. De resto,
não se tinha apercebido que tivesse passado tanto tempo etc, etc,
etc.
Bom, ouvimos o relato, ficámos aliviados e
acompanhámos o nosso filho que foi transportado para a
enfermaria. Com o acordar, as coisas começaram mal, pois o
Vitinho ficou muito queixoso, chorava continuamente e algo nos
parecia que não estava a correr bem.
A Dra. Isabel também se mostrou cautelosa com a
reacção e isso contribuiu para que eu regressasse a Ovar muito
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apreensivo! Chegado a Ovar, recebi um telefonema da Lígia,
triste “como à noite” a dizer-me que o nosso filhote estava com
febre! Toda a noite combateram a febre e no dia seguinte ela
ainda se mantinha, mas com valores mais baixos e próximos dos
38°. O rescaldo da cirurgia não estava a bater certo com as
nossas expectativas e a estadia que se tinha previsto para um
máximo de três dias, afinal iria ser superior. A própria Dra. Isabel
começou a achar que algo de anormal teria acontecido e
provavelmente transmitiu-o ao Dr. Emanuel.
Digo isto porque o Dr. Emanuel sentiu-se na obrigação de
ir falar connosco. Encontrou-nos junto ao nosso filho, observou-o
e garantiu-nos que tudo tinha corrido bem, que não tinha
“tocado” no intestino, nem noutro orgão qualquer (nota: se
tivesse ferido o intestino com o bisturi, já teríamos uma
explicação para o estado febril). A febre, na perspectiva dele só
poderia ter uma de duas explicações, ou era devido a uma virose
oportunista apanhada no Hospital, ou devia-se à agressão a que
o fígado tinha sido sujeito, pois é verdade que a prótese estava
muito envolvida e isso tinha obrigado a que se cortasse mais do
que seria desejável. Não nos podiamos esquecer que uma
cirurgia é uma cirurgia e é natural que o corpo desenvolva
determinados mecanismos de protecção, ora a febre é
precisamente um deles!
Nós pouco podíamos fazer senão olharmos para o céu,
desesperar e perguntar o porquê de tanto castigo! Se Deus
existisse, estava a ser cruel, nunca uma criança tão pequenina
mereceria tal punição! Quase parecia que nos estava a dar a
mesma provação de Job, mas eu não tinha tanta paciência e
estava no limite da minha! São as dúvidas da fé e dei por mim a
pensar na Irmã Lúcia que se estava a despedir de nós!
No Domingo 13/02/2005 o Vitinho estava bem e
aparentemente o pesadelo tinha terminado. Nesse mesmo dia a
Irmã Lúcia faleceu, não muito longe dali, no Convento das Irmãs
Carmelitas.
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