terça-feira, 26 de junho de 2012

CAPÍTULO X

NOVO INTERNAMENTO

Com o chegar do final do ano de 2004 aproximava-se

outra data que nos atemorizava. É que durante o transplante, foi

necessário ‘aconchegar’ o enxerto com uma prótese de silicone.

Ora bem, essa prótese tinha de ser retirada aos seis meses e essa

data aproximava-se a passos largos…



ilustração por Inês

Passou-se o Natal, mais um Natal fantástico pois

estivemos todos juntos e veio o ano de 2005. Esta coisa do Natal,

faz-nos mexer com várias emoções. Não é só a quadra em si que

nos toca, as recordações de família e dos que já cá não estão, é

que há um episódio muito especial que marcou a nossa forma de

viver esta festa . Tínha a Inês uns seis anitos e estávamos no

incio das férias do Natal, quando a bronquite do costume

começou a fazer ‘das suas’. A coisa veio, instalou-se em ‘banho-

-maria’ e ficou por ali “a reinar” até que, no dia 24 de Dezembro

apareceu a febre. Como a Sissi ia visitar-nos para a habitual troca

de presentes, esperámos por ela, mas começámos a ficar

preocupados, pois percebia-se que a Inês não estava bem. Estava

muito bem disposta com a expectativa das prendas que se

avizinhavam, mas a cor dela e a febre, preocupavam-nos!

Chegou a Sissi e… Natal estragado! Tivemos de ir a

correr para o Hospital da Feira com suspeita de pneumonia.

Seguiu-se à suspeita a confirmação de pneumonia bilateral e …

sangue. Foram vários os sustos, uma ‘carrada’ de exames,

incluindo uma broncoscopia com anestesia geral (para excluir

uma suspeita de aneurisma que as radiografias nos queriam

impingir), enfim ficou-nos a infeliz recordação de um Natal

triste, muito triste, com a Lígia à cabeceira da cama do hospital

e eu, sózinho com a Patrícia, pequenita e maravilhada num

mundo de presentes por abrir!

Como depressa se percebeu, isto de ter uma prima

pediatra tem as suas vantagens! Teremos uma dívida eterna de

gratidão com a Dra. Cecília.

A Dra. Cecília, foi a primeira responsável pelo

salvamento das vidas dos nossos filhos, porque agiu, porque nos

enviou para onde deviamos ir e porque em alturas muito díspares

percebeu como o deveria fazer. Obrigado Sissi!

Ora bem, regressemos aos nossos medos quanto ao tal

internamento que se avizinhava! Já não sei se foi no dia

09/02/2005 ou no dia imediatamente a seguir, mas lá fomos nós

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para o Hospital Pediátrico, pesarosos, apreensivos e sem vontade

nenhuma de passar por mais aquele tormento. Que me perdoem

a Dra. Isabel e o Dr. Emanuel por me referir assim ao

“internamento”, mas nada tem a ver com o desempenho deles,

das equipas, nada! O que é verdade, é que estávamos demasiado

ansiosos, demasiado preocupados e … tínhamos um mau

pressentimento! Mas caramba, era só tirar uma prótese, uma

cirurgia simples, porquê tanto medo, logo nós que já tinhamos

passado por um transplante?!

Efectivamente as coisas não foram tão fáceis como

esperávamos.

Perante os preparativos, revivemos um pouco tudo o que

já tínhamos passado! No entanto, apesar do ambiente ser muito

diferente pois era de tarde, estávamos junto ao “bloco” do

Pediátrico e nesse dia estar um dia lindo de sol, a tensão essa,

marcou a sua presença, especialmente porque um nervoso

miudinho não nos largava.

O Dr. Emanuel, talvez para nos acalmar, tinha dito que a

cirurgia demoraria menos de meia-hora, só que passou a primeira

meia-hora, depois a segunda, a terceira, etc, e quando já

estavamos quase a entrar na terceira hora sem notícias, apareceu

o Dr. Emanuel, aparentemente calmo e disse-nos que estava tudo

bem e explicou-nos que tinha demorado um pouco mais porque

o fígado do Vitinho já se tinha desenvolvido bastante e estava a

envolver a prótese e por isso estava “muito agarrado”. De resto,

não se tinha apercebido que tivesse passado tanto tempo etc, etc,

etc.

Bom, ouvimos o relato, ficámos aliviados e

acompanhámos o nosso filho que foi transportado para a

enfermaria. Com o acordar, as coisas começaram mal, pois o

Vitinho ficou muito queixoso, chorava continuamente e algo nos

parecia que não estava a correr bem.

A Dra. Isabel também se mostrou cautelosa com a

reacção e isso contribuiu para que eu regressasse a Ovar muito

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apreensivo! Chegado a Ovar, recebi um telefonema da Lígia,

triste “como à noite” a dizer-me que o nosso filhote estava com

febre! Toda a noite combateram a febre e no dia seguinte ela

ainda se mantinha, mas com valores mais baixos e próximos dos

38°. O rescaldo da cirurgia não estava a bater certo com as

nossas expectativas e a estadia que se tinha previsto para um

máximo de três dias, afinal iria ser superior. A própria Dra. Isabel

começou a achar que algo de anormal teria acontecido e

provavelmente transmitiu-o ao Dr. Emanuel.

Digo isto porque o Dr. Emanuel sentiu-se na obrigação de

ir falar connosco. Encontrou-nos junto ao nosso filho, observou-o

e garantiu-nos que tudo tinha corrido bem, que não tinha

“tocado” no intestino, nem noutro orgão qualquer (nota: se

tivesse ferido o intestino com o bisturi, já teríamos uma

explicação para o estado febril). A febre, na perspectiva dele só

poderia ter uma de duas explicações, ou era devido a uma virose

oportunista apanhada no Hospital, ou devia-se à agressão a que

o fígado tinha sido sujeito, pois é verdade que a prótese estava

muito envolvida e isso tinha obrigado a que se cortasse mais do

que seria desejável. Não nos podiamos esquecer que uma

cirurgia é uma cirurgia e é natural que o corpo desenvolva

determinados mecanismos de protecção, ora a febre é

precisamente um deles!

Nós pouco podíamos fazer senão olharmos para o céu,

desesperar e perguntar o porquê de tanto castigo! Se Deus

existisse, estava a ser cruel, nunca uma criança tão pequenina

mereceria tal punição! Quase parecia que nos estava a dar a

mesma provação de Job, mas eu não tinha tanta paciência e

estava no limite da minha! São as dúvidas da fé e dei por mim a

pensar na Irmã Lúcia que se estava a despedir de nós!

No Domingo 13/02/2005 o Vitinho estava bem e

aparentemente o pesadelo tinha terminado. Nesse mesmo dia a

Irmã Lúcia faleceu, não muito longe dali, no Convento das Irmãs

Carmelitas.

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