domingo, 8 de janeiro de 2017

Daniel Serrão - Uma sentida homenagem


A ultima vez que estive com o Sr. Professor Daniel Serrão, foi na Fundação de Serralves e poucos meses depois, soube pelas notícias do brutal atropelamento de que foi vitima! Hoje o Sr. Professor faleceu! Por esta via lhe presto uma sentida homenagem e envio as nossas condolências a todos os que lhe são próximos.

Quando em Junho de 2010 o Sr. Professor apresentou o meu livro por ocasião da Feira do Livro de Ovar, tive oportunidade de o conhecer um pouco e se por um lado fiquei impressionado e honrado com a forma simpática e afável como ele aceitou apresentar o "Lutar Até Viver", por outro, senti-me um privilegiado por conhecer aquela pessoa diferente, que se tornou imediatamente um amigo encantador, cativante, mas que era essencialmente uma pessoa simples e que falava de forma apaixonada e com um conhecimento profundo, de tudo!

Recordo aqui sua "apresentação" Sr. Professor e envio-lhe este grande e eterno abraço! Um beijinho do Vitor Alexandre.


Primeiro a questão do género. Não é um romance. Não é uma narrativa ficcionada.
É um depoimento pessoal:
- rigoroso, na apresentação dos factos;
- corajoso, nas críticas a pessoas e instituições;
- sensível  e sofrido, com forte carga emocional;
- delicado no tratamento do tema da transcendência.
Do que trata – da realidade da vida e do mistério da morte, de uma criança que nasce com grave doença hepática que a levará á morte; de uns pais que não desistem nunca de a salvar da morte anunciada; de duas irmãs que “amam o seu irmão pequenino e não o querem perder”; das dificuldades de os médicos e os hospitais lidarem com a doença da criança e com o sofrimento dos Pais; de terem chegado a um porto seguro no serviço de transplantação hepática dos Hospitais de Coimbra onde o único tratamento possível foi efectuado – a transplantação de um fígado. De tudo isto trata este livro e o prefácio do Dr. Emanuel, o cirurgião que executou o acto, explica-o bem.
O livro está bem escrito e é por isso de leitura muito agradável. Não tem pretensões de academismo literário. Não é uma escrita pretensiosa ou moralista. O texto brota quase espontaneamente do coração do Pai, com incisos da alma da Mãe Lígia, que não hesita em escrever uma primeira carta a Deus, pondo-O ao corrente do que se está a passar com o seu filho Vitor, como diz, um “ser pequenino que criaste à tua imagem”. E pede com simplicidade que faça o milagre de o salvar da ameaça mortal da doença hepática e metabólica.
Depois de ter sido feita a transplantação de dador morto, a poucas horas de ser colhida parte do fígado da mãe, ela escreve uma segunda carta que vos vou ler:

- Bom dia Deus. Hoje a aurora trazia uma luz diferente, com uma luminosidade quase celestial, era o teu olhar Deus, tenho a certeza. Olhei pela janela e os pássaros que voavam celebravam a tua luz. Continuo a louvar-te, sei que iluminaste as mãos dos homens e deste a tua mão ao meu pequenino para que se mantivesse forte. Obrigado Deus por me teres ouvido, estou contigo no meu coração e a cada hora a Tua presença traz-me alento. Obrigado Deus.
Duas palavras aqui se justificam sobre o que se chama milagre. Não é uma subversão da natureza, tornar branco o que é negro para espanto dos incautos. O milagre é a aceitação da presença na auto consciência individual de uma transcendência sem nome, sem matéria e sem tempo. O milagre, como diz o autor foi construído pelas mãos dos profissionais. Para a Lígia essas mãos humanas e casuais foram guiadas para serem perfeitas pela acção invisível e indemonstrável da transcendência a que chamam Deus, mas que, na verdade, não tem nome nem é material.
Fechado este parêntesis direi mais que o livro narra as dificuldades do diagnóstico de uma doença rara, as hesitações médicas sobre o melhor tratamento e a dificuldade em encontrar um profissional que liderasse a salvação da criança como responsabilidade sua. Quando o Serviço de Transplantação Pediátrica de Coimbra com a liderança do dr. Emanuel Furtado assumiu o Vitor tudo se simplificou, gerou nos pais a confiança numa competência e sustentou a esperança.
Este desfecho feliz leva-nos a exigir que esta seja a regra e não a excepção.

Daniel Serrão


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