CAPÍTULO VI
O DIA DO
TRANSPLANTE
Carta a DEUS
– 1
Bom dia Deus,
Sei o quanto andas ocupado com a turbulência dos
homens, mas por favor escuta, olha para este ser
pequenino que
criaste à tua imagem, vê como sofre e opera o teu
milagre. Sei
que te peço muito DEUS, mas sabes o quanto ele é
importante
para nós e o que tem ainda para nos ensinar.
Ilumina as mãos dos homens e traz-lhe a saúde que
tanto
precisa.
Obrigado Deus por me escutares, estou mais atenta e
agora
sei o quanto andava distraída das coisas importantes
da vida.
Obrigado Deus
Lígia,
Hospital Pediátrico
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No dia 23 ou 24 de Julho de 2004, não sei precisar,
ficou decidido que o “transplante com dador vivo” seria feito na semana
seguinte, em dia ainda a confirmar. No Domingo, dia 25/07/2004, ao
principio da noite, estávamos numa amena cavaqueira com
uma enfermeira, isto já com o Vitinho e a Lígia no inicio dos
preparativos, quando outra enfermeira entrou, olhou-nos timidamente
e chamou a colega. Ambas comunicaram-nos ‘cautelosamente’ para estarmos preparados, porque
“parecia” que havia um dador compatível!,Nesse momento,
algo aconteceu que mexeu com as nossas emoções,
ficámos em meditação e a Dra. Isabel veio conversar connosco! Eu
fiquei mudo, sem reacção, e a Lígia ficou muito emocionada
porque, agora que as coisas já estavam programadas, ela queria
continuar a ser a dadora, mas obviamente que tal já não seria possível!
Primeiro porque, só se é dadora uma vez na vida e assim ela
ficaria disponivel para outra altura se tal se viesse a mostrar
necessário, depois porque qualquer cirurgia envolveria riscos e o
facto de termos mais duas filhas inibia-nos sequer de questionar a
decisão. Aliás dadas as características do dador, que por respeito da
sua memória não as descrevo, seria absurdo não aceitar esse
fígado, e mesmo que o fizessemos, garantidamente que ninguém nos
ouviria! Para além de tudo isto, também eu me opunha, dadas
as circunstancias, obviamente, seria uma idiotice colocar a vida
da Lígia em perigo! Mas a reacção da Lígia era natural e compreensível! Ela sentia-se um
pouco responsável pela insuficiência do Vitinho e por isso, se a
medicina permitia corrigir “o erro”, então parecia-lhe imperioso que
fosse ela a fazê-lo!
O dia que estávamos quase a iniciar seria sem sombra
de dúvidas o dia mais longo das nossas vidas. As horas passavam muito
lentamente e nesse dia o Hospital Pediátrico estava estranhamente calmo!
Entretanto juntou-se novamente a nós a Ana Paula que fez questão de nos
acompanhar nessa fase mais crítica. Cerca das 2:00 chamaram a ambulância que
iria levar a
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Lígia e o Vitinho do Pediátrico até aos H.U.C.
Acompanhei-os de carro, mais a Ana Paula e na ambulância, acompanhou-os a Enfermeira
Helena que dificilmente conseguia suster as lágrimas. Nos H.U.C. a
tensão era evidente e fomos conduzidos ao “bloco”. A contrastar
esse sentimento, uma cara simpática e sorridente
recebeu-nos e perguntou-nos se um de nós queria acompanhar o
Vitinho lá dentro. A Lígia entrou e ao vê-los entrar, senti o
meu coração apertar, apertar, apertar… quase parecia que
estávamos a pairar sobre um precipicio que nos sugava para o
infinito. Fiquei eu e a Ana Paula naquele sítio frio, desagradável e esperámos o
regresso da Lígia. Um bom pedaço depois ouvimos umas portas a
bater, um estrondo, um som metálico e de repente apareceu-nos
uma maca com um corpo todo coberto por um lençol.
Gelámos, eu e a Ana Paula, aquele corpo era o corpo do dador. Fiquei
sem palavras e olhei com respeito para o vulto desse alguém! O
vazio da morte na esperança da vida, lágrimas que correm com
fundamentos opostos, nas nossas faces e nas dos seus
entes-queridos!
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